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Trechos, textos e trecos

quarta-feira, novembro 13, 2002



Viajar na maionese. Essa é velha. Mas viajar em coisas é bom demais. Pequenos gestos, sorrisos, uma mão que segura um copo de um jeito especial, aquele cantinho da boca que sobe junto com aquela gargalhada. Os dentes que se mostram, um cheiro, ah, um cheiro. Hummm… Um sabor, gosto de fruta vermelha, de chocolate, de creme… Um aroma de café fresco, bolinho de fubá quentinho, baunilha, pão de queijo. Casa de roça, de vila, de gente feliz. Simplicidade. Contato de olhos, sorrisos de alma. Sabedoria especial para encarar essa vida triste que nos enfiam pela goela. A minha vida não é essa não, essa gente louca que está se matando não é da minha espécie. São do gênero mal, isso se sabe. Mas maldade também se faz com mãos limpas e consciências sujas… Dinheiro que envenena, que humilha, que acaba com o sossego de quem tem menos, de quem é mais fraco.

Tentativas

Tenho que acordar e sair. Se não morri, tenho mais esse dia. Ou esse acordar de hoje… Mais um dia, menos um dia.
Tenho de correr para a vida lá fora. Vida de semana. Vida de obrigações. De sorrisos amarelos.
E descubro que a realidade é poética em sua feiúra e em sua beleza.


Que infantilidade do ser humano não se desapegar da vida. Hoje chorei porque vou morrer um dia. E essa não foi a primeira vez.
Já chorei a morte dos meus pais, que ainda vivem. E a dos meus filhos, que há pouco chegaram aqui.
Chorei pela saudade que vou ter que sentir, pela dor e pela tristeza de um dia que ainda não chegou.
Vou vivendo assim, sofrendo em parcelas, chorando um pouco aqui, um pouco ali…
Por que não consigo me acostumar com a hora de ir embora e dar tchau a quem vai como damos as boas-vindas aos que chegam?



Não gosto de perfume doce. Fui ao cinema. A temperatura estava agradável, mas o cheiro era de mofo.
O filme já iniciara quando aquela senhora sentou-se na fila em frente a minha. Ela trazia um leque. Ao se abanar encheu o ar de flores. E tirou todo o mofo do lugar.
Fez-se primavera na sala de cinema. O ar condicionado virou brisa leve. E a hora virou poesia.


Preguiça de beijar qualquer boca e brincar de amor.
Se o buscamos ele não aparece.
Na pressa, ele passa sem nos olhar.
E somos nós que viramos a cara,
olhando para onde ele não está.


Sol no céu e nas coxas da mulher, que brilhavam.
A água secava dos pêlos dourados.
Deitada olhava essas coxas
Olhava a barriga
O colo
E me senti feliz e linda
Brilhando inteira ao sol.

Queria estar pronta para um romance. Para escrever um. Tenho até idéias, mas elas não formam uma história. São algumas frases, algumas impressões, pequenos monólogos, quase-ensaios. Mas juntas não são nada além de pedaços, ou pequenos inteiros que ainda não foram nomeados pela literatura. São como trailllers de um filme ainda não rodado, nem escrito. São chamadas de capa, títulos, olhos de uma matéria que a imprensa ainda não publicou. Algumas respostas a perguntas que não foram feitas por nenhum repórter. Algumas frases esperando a hora de ser usadas. Uma coleção de possibilidades aguardando sua vez…
Mas o importante é que continuo produzindo. Talvez se me juntasse com outra pessoa que gostasse de escrever… Ou que não gostasse, mas que pudesse me ajudar de alguma forma. Um personal trainer das idéias, das palavras, do texto… Sei lá. Aliás, acho que isso é vício de quem trabalha muito com as idéias dos outros, fazendo locução de textos alheios e revisando e editando matérias para uma revista de publicação dirigida… Penteio os textos, mexo aqui ou ali, dou voz a eles, mas o que é contado não é escolha minha.
Às vezes estou mais ligada nas idéias, às vezes na maneira de contá-las. Alterno minha atenção entre conteúdo e forma, priorizando ora um ora outro. Poucas vezes combinei os dois com sucesso… Mas foram poucas vezes de muito valor. Não busco quantidade. Sei que estou a caminho de algo maior, mais raro, uma conversa mais profunda, em que o estilo não tenha mais importância do que o que é dito, porque o que é dito por si só ocupa toda a atenção. Não quero palavras a mais, nem similares às que seriam ideais. Tenho que estar atenta ao conteúdo, que as palavras vêm. O que sinto é que o bom texto já nasce com as palavras certas, são as palavras que fazem dele um bom texto afinal, mas a habilidade em reuni-las não pode ser simulada. Pode-se melhorar o que é bom, mas inventar o bom a partir do nada parece impossível. Que venha a idéia, com seu texto e aí, depois de colados no papel, é hora de cortar o que sobra, trocar o que veio truncado. Mas já está quase tudo lá.
Bons autores já falaram que o bom texto não precisa ser muito mexido. Fernando Pessoa dizia sentir pena de quem tem que fazer poesia como um carpinteiro que trabalha a madeira para dela tirar a forma. João Cabral de Mello Neto disse o oposto, que escrevia, lia, relia e reescrevia várias vezes. Um de seus livros mais famosos foi escrito em nove anos, sempre com sacrifício, escolhendo as palavras, trocando linhas de lugar… Carpintaria.
Pelo que pude apreender, o resultado é o que importa. Alguns funcionam melhor espontaneamente, outros têm que trabalhar um pouco mais. Eu oscilo entre as duas maneiras… Mas sinto que é melhor quando o texto sai de mim como que psicografado. Palavras que não uso a toda hora, idéias obscuras ou esclarecedoras que não eram minhas até o minuto anterior… Mágica mesmo. Só quem já passou por isso sabe como é. Não é inspiração, é transbordamento.
E essas idéias às vezes vêm em horas que não tenho como anotá-las. Tento deixar uma lembrança para trabalhar mais tarde sobre o que intuí, mas na hora de retomar, não flui do mesmo jeito. E às vezes o texto vem pronto, mas muito veloz e não consigo digitá-lo, nem falá-lo… É quase assim
No mais acho que não disse nenhuma novidade. Foi mesmo um desabafo sobre o bom e o ruim de quem pretende escrever. Mas vale a pena de alguma forma. Nem que valha só para mim. É uma maneira de fazer alguma coisa com o que eu penso. Um jeito de por pra fora o que me faz ser quem eu sou. Uma conversa diferente comigo mesma.
Melhor do que escrever só ler um texto bem escrito. E se o conteúdo me alimentar a alma, melhor ainda.


P.S.: Sobre estar pronta para um romance, Marina Colasanti em entrevista a uma amiga minha disse que o romance não é o topo. Não há uma hierarquia entre os estilos, há os que fazem melhor poesia, outros são feras do conto, do ensaio; o romance não é para todos que escrevem. Cada escritor tem sua linguagem… Ela, pessoalmente, não pensa em escrever um romance e está feliz com o que vem criando.
Se ao menos eu pudesse definir o meu estilo… Aforismos? Pedindo licença a Schoppenhauer...

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