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Trechos, textos e trecos

segunda-feira, abril 21, 2003


Você nunca se envergonha de si? Do que diz, do que faz, de quem é às vezes? Você acha que está sempre certo, que sempre fez a melhor escolha, que está sempre com a razão? Não estou falando de timidez, mas de desconfiômetro, de semancol . Claro que o ideal é não tomarmos decisões irrefletidas, mas sabemos que erramos, que escolhemos mal de vez em quando, mesmo quando a constatação vem tarde demais.
A parte boa dessa história é que podemos aprender a estar sempre prontos para reconhecer o erro; aceitar nossa falibilidade pode ser produtivo. Sem essa de querer estar certo da próxima vez, isso é pouco demais. O que podemos entender é que o erro tem seu lugar, ele faz parte de nossas ações aqui na Terra. Nem todo acerto é melhor que todo erro. Existem erros que revolucionam, que trazem uma nova solução. E isso não é querer ver a vida com olhos de Poliana, é apenas saber jogar com as cartas que estão disponíveis. E no baralho nem sempre dá pra saber o que se esconde...
Perder o medo de ser ridículo, de ser fraco, de ser desajeitado. Buscar ser não o melhor, mas ser melhor, latu sensu. Respeitar-se, saber os limites que devem ser superados e os que devem ser acatados como parte da pessoa que você quer ser.
Dizer que você é o resultado do que faz, é pouco, dizer que o que você faz espelha quem você é fica meio bobo. Ninguém sabe quem é no próximo minuto, e isso chega a ser surreal. Se nos fossem dadas todas as garantias de que tudo o que fazemos vai sempre sair como planejamos, que o mundo vai sempre andar como imaginamos, a vida seria uma chatice, seria apenas o cumprimento de uma obrigação, um serviço. E até em matéria de serviço, sabemos que nem tudo sai como previsto; obstáculos se interpõem, interferências se manifestam, novas conjecturas se apresentam... Temos que agir com um olho no agora e outro no depois, sabendo que quando o depois vira agora pode ter outra aparência e exigir novas atitudes.
E essa conversa toda parece não ter chegado a lugar nenhum. Talvez nem faça sentido. Mas isso pouco importa. Disse o que queria dizer, mesmo que mal dito pela ineficiência de quem fala e das palavras disponíveis para essa explicação. O resultado possível foi quase alcançado. Será alcançado se for compreendido por quem lê. Mesmo sendo quase incompreensível para mim mesmo.



Será que li Schopenhauer demais? Esse meu retiro da vida me parece exagerado. Até meu dileto filósofo disse em seu Aforismos para a Sabedoria de Vida que “a ocupação espiritual incessante nos torna mais ou menos inaptos para as agitações e tumultos da vida real. Dessa maneira, é aconselhável suspender inteiramente tal ocupação por algum tempo, quando surgirem circunstâncias que exijam de algum modo uma atividade prática e enérgica.” E viver está me parecendo “uma atividade prática e enérgica”...
Isso me lembrou da utilidade do investimento espiritual para a nossa vida. Porque quando temos um espírito evoluído sabemos lidar melhor com o sofrimento, com todo o fardo existencial que se apresenta. Porque a vida não é exatamente a disneylândia da existência.
Se tivesse dinheiro bancaria uma grande campanha publicitária da filosofia, sem vender nada, além da idéia de se aprimorar o espírito. E isso não é novidade. Epicuro serviu de fonte de ensinamento para um excêntrico milionário contemporâneo dele, que financiou grandes avisos públicos em vários muros da zona de mercado de Atenas, alertando para que o consumo não tornaria a vida de ninguém mais feliz, ou coisa do gênero, inaugurando a mídia dos outdoors – e isso é história que poucos publicitários devem conhecer. Autêntica campanha anticonsumo, acontecimento insólito para os parâmetros da publicidade que temos hoje. Essa história está no livro Consolações da Filosofia, de Alain de Botton, e se der vou trazer até aqui o nome do milionário bem intencionado (emprestei o livro a um amigo).
Acredito na evolução espiritual como verdadeiro acesso à felicidade. O próprio conceito de felicidade já foi mais do que distorcido pelos nossos colegas de espécie. Pascal Bruckner, filósofo sociólogo, tem ótimo livro a esse respeito, Euforia Perpétua, que, entre outras afirmações, traz o alerta de que, hoje, felicidade virou mercadoria na mão do capitalismo. De lá posso tirar uns trechos para ilustrar o que tento dizer (esse livro também emprestei - a uma amiga).
Li em algum lugar, e quem lê muito tem desses lapsos, que Sócrates ao ver várias mercadorias expostas à venda dizia: “quantas coisas de que eu não necessito”, e essa frase me parece um bom exercício a ser praticado diante das vitrines.
O engrandecimento espiritual não deve ser prerrogativa apenas das religiões, e o que se vê é que toda tentativa de monopolizar essa questão acaba em conflitos, quando não em guerras. Quando uma religião se diz a única e a verdadeira, contribui para uma problemática que acaba colocando em questão o próprio valor daquela religião que em nome do bem e da verdade elimina pessoas que não pensavam como ela determina. Claro que nem toda religião é boa, principalmente quando incluímos nessa análise as religiões criadas pelo homem mal intencionado, o que quer apenas tirar dinheiro de seus fiéis etc etc.
A filosofia é um caminho adequado ao crescimento espiritual, e como tal também sofreu perseguições. Sócrates perguntou demais e foi obrigado a tomar cicuta por não querer retirar suas idéias. Sêneca também foi perseguido, condenado à morte e depois de várias tentativas frustradas de cortarem-lhe os pulsos e o afogarem, acabou pedindo que lhe dessem a bebida de Sócrates.
O esclarecimento não interessa aos tiranos. Pensar não é conveniente aos ditadores. E isso não é novidade. Mas se você não pode escolher em que mundo viver, pode escolher como pensar. E nos dias de hoje isso é uma alternativa à qual se socorrer.


Pensei em tentar escrever sobre alguma coisa. Acontece que a alguma coisa que me ocupa o pensamento agora não está em palavras. Sinto um vazio tão bom, uma presença do nada tão oportuna. Um silêncio tão acolhedor, tão completo. Acho que temos informações demais, palavras demais, assuntos demais soltos no ar. O barulho impera. Vamos aproveitar que a inspiração não veio, para fazermos uma respiração dessa paz de espírito que nem sempre dá as caras. Não é plenitude o que sinto, não é tampouco um vazio. É um o que é com toda a sua sabedoria de ser alguma coisa, sendo nada.


Um homem

Acordou cedo e apressado sem saber quem era. Já de pé no banheiro, o espelho lhe contou que ele era Jorge, e um dia cheio de afazeres se revelou em sua cabeça. Responsabilidades do cotidiano o aguardavam. Mais um dia, menos um dia de vida.
O cheiro do café o alertava que já era hora. O autômato tinha que estar preparado para a guerra. Depois da bebida quente e de duas torradas secas, uma mastigada na sala, a segunda já no elevador, Jorge se viu no espelho do cubículo de aço, agora de banho tomado e com a roupa de advogado, e se sentiu mais enquadrado no primeiro dia útil da semana.
O que o espelho poderia dizer para ele na viagem do quarto andar até o asfalto? Jorge parecia esperar dele uma resposta para aquela vida tão sem graça e se olhava cúmplice de si mesmo, entendendo o silêncio do aço.
No final do dia, o rosto no espelho do elevador estava abatido, seu reflexo só o fazia pensar em descansar, descansar. Quando foi que ele vendeu sua alma ao trabalho? Sua vida em troca de contas a pagar, cartões de crédito, cheque especial e toda a gincana de manter esses valores dentro do parco orçamento de advogado medianamente bem sucedido?
Na parada no quarto andar, fôlego para atravessar a porta de casa. Beijos sem gosto na mulher que um dia amou e que nos últimos dois ou três anos não fazia mais que ocupar o seu lado na cama, algumas prateleiras no armário e encher de solidão a sua vida.
Mas essas não são palavras de homem e aqui quem narra a história é essa mulher, que um dia o amou e que ainda hoje tenta entender o que é esse resto de sentimento que não consegue classificar, e que, por isso, é vivido como resto, simplesmente.
O casamento parecia estar no fim, isso quando é desses casamentos que chegam ao fim que falamos. Também poderia ser apenas o meio de uma relação que deixava o amor para trás em troca de companheirismo. Eles não se davam mal, se entendiam, se ajudavam, conversavam. Só não tinham mais desejo um pelo outro. E isso não era a pior coisa que poderia acontecer. Eles achavam a vida dura demais para trocar o ombro um do outro por um casamento desfeito. O desejo um dia acaba. Depois de satisfeito, principalmente.



Esse era o Jorge que Marisa via entrando e saindo de sua casa, de sua vida, de seus pensamentos. Então depois de tanto tempo juntos casamento era só isso, um casal morando no mesmo endereço?
Mas essas questões já tinham sido postas de lado por ela, pela inexistência de respostas que a convencessem. Marisa já não ficava procurando entender o que acontecia. Marisa não procurava; encontrava. E essa frase já fora dita por um sábio, que agora, para variar, não me lembro quem foi...


A vida é uma contagem regressiva inacabada para a morte.


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Antes que eu morra, a vida. Melhor: Antes que eu morra, à vida!


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Hora de sair. Olhou no espelho, treinou o sorriso e foi tentar ser feliz mais um dia. Apesar da tristeza da chuva lá fora, o dia teria que ser vivido. No passado, leu uma vez uma frase que nunca mais esqueceu: “o que merece ser feito merece ser bem feito”.
Já adulta, viu que a questão não era fazer bem feito, era saber o que merece ser feito.
E viver parece ser algo que merece ser bem feito. Mas a vigilância corrompe a espontaneidade. O olhar deve estar atento, porém integrado.
Esse constante estar-fora, estar-dentro; o observar e o agir de quem toma seu lugar no mundo. E, no final, o mundo é uma idéia que temos do em torno, dessas pessoas todas sobre a Terra e de seus feitos cotidianos ou históricos.
Nada parece ser muito importante. Ou seria o contrário?
E o lugar do erro na nossa vida? Não se deve temê-lo. O erro é criativo, rompe com o que era previsto. Traz a piada ou imprime qualidade humana no que fora idealizado.

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Chegou na padaria antes das seis e reparou no casal que terminava àquela hora a noite anterior, comprando cerveja. Os dois de olhos vermelhos e cansados.
Quando Marta foi pegar o pão, a mulher acompanhada disse que tinham mudado de idéia. Parece que iam trocar a cerveja pelo café de toda manhã. Foi nessa hora que o relógio acertou a vida daqueles dois.

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Pode fazer do jeito que for, contanto que fique bom. (tipo da frase que não explica o que deve ser feito).

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Que mundo sortido, ham.

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Hoje para treinar na academia tenho que fazer a maior ginástica. Reservar uma hora por dia entre os afazeres que arrumei para minha vida. Ir sem muito alarde, para nem meus filhos nem o namorado-da-vez se sentirem lesados pela minha ausência.
E a sociedade continua me cobrando estar linda, magra, sem flacidez, sem celulite (não sei como pagar essa conta. Vale um pré-datado sem fundo?).
Não vou virar essa deusa da mídia nunca. Não dá mais tempo, ou nem toda uma vida seria tempo suficiente… Mas tenho que ser o meu melhor corpo de hoje.
E o espírito também. E nele invisto lendo e tentando entender o que se passa comigo no mundo, desde que reparei que existo, aos 12 anos de idade, mais ou menos.

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Meu pai é um dos sujeitos que mais gasta dinheiro para ser pobre.
Tem gente que não tem quase nada e vive bem. Uma casa própria razoável, eletrodomésticos funcionando, computador, som e TV a cabo, inclusive, além de telefones convencional e celular e um carro de dois anos atrás em boa situação. Paga as contas, quita as dívidas que faz. Vive justinho.
Eu sonho com isso. Ser média, comum e em dia. (Nunca pensei que fosse querer tão pouco da vida.).
Mas depois de dois filhos com o homem errado, minha vida desandou.
Hoje vivo num apartamento próprio (próprio do meu pai!), com dois cômodos precisando de cortinas novas, a lâmpada fluorescente da cozinha queimada (deve ser o tal do start. “É quase sempre o start, madame”.), a geladeira quebrada, o som da sala que não roda os CDs, o computador com o monitor sem foco, o áudio calado e o modem sem responder… Uma vida desarrumada. Ah, e contas em atraso, armários sem comida, etc, etc.
E ainda tenho que ver como vou pagar o material escolar das crianças.
Ë o céu desabando sobre minha cabeça! E eu nessa subversão cotidiana de querer ser feliz e viver correto.

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Não tenho disposição física para exercícios, nem saúde mental para me ver horrorosa no espelho. Pagar para ser bonita (clínica de estética, cirurgia plástica etc) também é difícil, porque o dinheiro não sobra.
Tem os hidratantes, cremes manipulados, shampoos profissionais, condicionadores, leave-in, tratamentos capilares; manter a saúde em dia (comida correta e plano de saúde), a pele, os dentes – tudo muito caro.
Ficar bem na foto é difícil, na vida, é impossível. É jogo de caxangá, tira daqui, bota ali, falta acolá.
É um provisório eterno. Sempre algo por fazer, algo que fica para trás, que fica para depois…
Virei uma pessoa cara sem me dar conta. Com a idade vieram mais despesas para cultivar minha vaidade. Se estou horrorosa, deprimo.
E o tempo não é aliado. O tempo nos leva para a morte. Não é amigo mesmo. Só que no trajeto aprendo mais da vida e de mim – para usar nos meus momentos de lucidez.
Se fosse lúcida…


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(poesia)


Laboratório da vida
Uma vida que tinha que ser real
Eu a alimentava
com uma espontaneidade
quase suicida

Contagem regressiva inacabada para a morte

Campanha de vida útil
Para uma vida inútil até então

Hoje, de cara para o futuro,
Caminho para o fim, enfim

Sou kamikase da minha própria vida.

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Vinha fazendo laboratório de literatura na minha vida, que deveria ser real. Virei kamikase da vida. Reagindo com espontaneidade suicida, em contagem regressiva. Uma coisa pá-pum. Ih, disse…


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Somos aglomerados de células que ocasionalmente se traduzem em pessoas. Células reunidas com maior ou menor sucesso, mas que resultaram na vida humana.
Essas pessoas nas calçadas, nas ruas, em toda parte. Bem que Schopenhauer disse que viemos todos perturbar a paz do nada preexistente a tudo isso aqui.




















Tenho pensado. Grandes revoluções começaram assim.
A minha revolução pessoal teve início em algum momento em que eu parei de pensar e comecei a agir.
Agir sem pensar. Agir automaticamente, autorizada pelo banco de dados de toda uma vida de observação.
Agora alterno. Penso e ajo. E já consigo combinar as duas operações.
Sou gente em formação. Para sempre.


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(Para Eulina)
Amiga,
Estou numa fase minimalista, só solto frases. Não crio histórias, contos... Só frases. Como citações – só que minhas.
Eu, hein... Às vezes, meias frases.
Surtei?


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Vivendo vida de manual de boas maneiras...


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Ela não acreditava em astrologia, mas se servisse para justificar alguma coisa, usava-a como recurso. Ela também não desacreditava.
Seu jeito era culpa do seu signo. Era libriana e estava sempre oscilando como os pratos da balança.
Muita disposição, pouca disposição. Alegria, tristeza; indecisão nas pequenas e grandes escolhas; vai, não vai; foi bom, não foi. Ela era muitas.
Mas isso poderia ser engraçado – todo defeito tem sua utilidade...
Como no dia em que entre a introspecção e a espontaneidade recorrentes, Mônica marcou letra b quando aceitou o convite de Alexandre para ir ao bairro boêmio da cidade, beber todas e ver o que aconteceria.
Não fazer planos era seu único plano para aquela noite.
Foi, viu e não gostou.
O cara chegou com jeito ansioso, muito falante. Até aí, tudo bem, ela falava pelos cotovelos quando o prato da comunicação subia. Falava muito e bem. O cara falava muito e mal.
“Ih, a noite vai ser longa”, ela pensou lançando mão de um olhar tranqüilo para capturá-lo para uma atmosfera cinco degraus abaixo. Mas o sujeito não entendeu a mensagem, continuou no seu monólogo cheio de disposição.



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Chorei de tristeza pura. Chorei de tristeza sem endereço. Tristeza de dentro de mim para o mundo. Vontade de chorar, motivo: todos. Estou triste, carente, sozinha, com saudades dos meus filhos, num ambiente inóspito como o mundo. Preciso de outros motivos?
Sei que existe a flor, o verde, o mar, a montanha e toda a beleza do Universo. Mas me sinto triste e só. Só.


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Ser feliz é entrar numa outra zona de sentidos. Os cheiros são mais intensos; as cores mais vivas; o vento sopra mais na nossa direção. O mundo fala com a gente. Uma criança passa e sorri, todos parecem te saber feliz. Os olhares são outros...



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Tinha tudo para dar errado e vamos acertando no erro há um ano. Tratamento de choque, quando o amor não concorda com as idéias, mas quer o outro mesmo assim. Fora o que ele pensa de encontro com o que eu penso, nos entendemos bem demais.
Como amo esse homem.



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As circunstâncias podem nos tornar irreconhecíveis.

(acho que alguém já disse isso)


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Cansado de ser apenas “another brick in the wall” e ter que compactuar com a mediocridade humana, sempre dando as mesmas respostas às velhas perguntas que a vida te faz? O senso comum está te dando nos nervos?
Seus problemas acabaram!
Toque a vida do seu jeito. Diga não às convenções dos burocratas existenciais e solte sua franga hoje mesmo.
Dê um basta.
Chute o balde.
Ligue o “foda-se” e todos os chavões do tipo.
Troque seus problemas por novos.
Ponha um pouco de loucura na sua vida. Surpreenda, quando te perguntarem “que horas são?”, responda “ bife à milanesa” . Enlouqueça todos ao ser redor.
Porque viver pode ser mais divertido!
Uma campanha das...




(Soltos:) Alguma hora a mulher tem que ligar o piranhômetro. Tudo bem ser casta no trato social, mas na cama, alguma hora a volúpia tem que bater – ou não vai ser bom mesmo.

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O que estamos fazendo aqui? Estamos todos tentando ser felizes, de um jeito ou de outro. Dando beijo na boca ou explodindo bombas. Felicidade é subjetividade pura. E são nessas tentativas individuais que os problemas vão acontecendo. Tentativas atrapalhando tentativas; tentativas completando tentativas; tentativas iniciando tentativas. E resultados. Inúmeros resultados. Tudo o que se faz é resultado. Viver é a soma de muitos resultados de coisas tentadas.

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Alguns destes que escrevem - e não sei se poderia denominá-los escritores -, usam palavras a mais apenas para ocupar o nada. Isso me lembra Schopenhauer, que acha que a humanidade é um equívoco que surgiu para atrapalhar a perfeição do nada preexistente. Algumas palavras a mais em um texto fazem isso, ocupam o lugar do vazio, da sábia e necessária respiração.

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Há horas em que a gente tem que fazer o que é certo, e não o que se quer. Horas em que temos que fazer o que é melhor, não o que gostaríamos.

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Não se deve ter medo do erro. O erro é criativo. Rompe com o que era previsto. Traz a piada ou imprime qualidade humana no que fora idealizado.


Prazeres

Tem gente que pensa que só porque eu gosto de ler Schopenhauer não gosto de sexo. Errado, trepar é bom.
Tem gente que pensa que só porque eu gosto de sexo gosto de drogas e álcool. De álcool até gosto um pouco – mas é a bebida que não gosta de mim, se passo de duas doses, passo mal.
Drogas, tô fora, saí pra... Brincadeira. O que posso dizer é que maconha me lembra incenso, não é ruim, mas também me cai mal. E as drogas ilícitas financiam o crime organizado – o que é motivo bastante para optar por outros prazeres.
Além da leitura, do sexo e do álcool? Música, filmes, comidas leves, doces delicados, sorrisos francos, brisa no rosto, chuva na madrugada, céu à noite, lua cheia, um bom banho, um bom perfume, massagem, rir, descansar... São muitos os prazeres fáceis da vida, e esses são os melhores. Eu, por exemplo, adoro a sensação da casa arrumada, tudo no lugar, papéis e coisas desnecessárias no lixo, cara de limpeza, roupa recém-lavada, recém-passada. Um vaso com flores – esse é um prazer afastado, por causa da dengue...



Sobressaltada com a paz de espírito ideal reinante em meu ser, fico à espera do depois. Que doença é essa que, quando não é o mundo que me aflige sou eu mesma que o faço?
Eu me olho e desconfio do pior, do mal à espera. Sinto a sorte boa e temo perdê-la. Aceito que está tudo bem e espero a conta do destino chegar.
E ela chega. A morte é o preço a ser pago pela vida.


Por que tanta indecisão? Hoje pode até ser que esse relacionamento sem futuro faça sentido. Talvez esse relacionamento esteja preenchendo razoavelmente o espaço de hoje, mas como abrir mão de outro melhor? Como optar pelo que se sabe moribundo em lugar de ficar aberta ao desconhecido? Ficar sozinha não é assim tão ruim. É ficar na própria companhia. Se cuidar, poder olhar mais vitrines, decidir que canal vai ver na televisão, poder ficar em casa num dia de sol sem patrulha, dormir até de tarde, acordar cedo sem motivo, talvez para pegar o sol da manhã... Mudar a rotina. Dar uma sacudida na vida. Inventar novas paixões. Ou ficar mais quieta, escolhendo mais. Observando a vida. Vivendo sem pressa.
Mas na hora de dizer tchau você titubeia. Treme de pensar que poderia fazer daquela a última vez. Diz-se confusa e se confunde ainda mais com a revelação. Ele diz que não vai insistir, que te quer, mas tem amor próprio... Mas isso é quase pedir... E você se amedronta de ficar sozinha de novo no mundo. Se lembra dos bons momentos, das risadas que deram juntos, da intimidade que construíram, de todo o envolvimento que os tornou tão próximos - e tão diferentes nas suas diferenças...
“A gente não vai conseguir se separar, né? Por quê?” E nem tenta dizer que preferiria não conseguir... Aproveitar a festa a dois mais um pouquinho. Usufruir dos minutos finais. Brincar com o tempo. Deixar passar da hora... É tudo muito arriscado, são egos em ação, sentimentos, necessidades, vaidades. Você não se sente muito certa adiando o fim mais uma vez, mas também não gosta da idéia de ter que optar pelo fim.


Poesias da idade

Coisa mais chata ver a decadência
do corpo no espelho
E isso não é poesia

A beleza da juventude
me põe a nocaute
em qualquer esquina

Minha beleza me custa
cada vez mais caro
Dói no bolso e na alma

Não me acostumo a estar acabando
Vejo meu corpo consumido pelo tempo
Sou eu me descorporificando
Virando morta
É o começo do fim – já sinto

Meu corpo inteiro reclama de existir
A pele resseca, o tempo traça linhas,
o cabelo perde a cor,
os olhos nem sempre brilham,
os dentes amarelam meu sorriso



Pra que drogas?
Quero a vida sem anestesia!



Que vida tola. É só isso? Um dia atrás do outro? Às vezes alguma emoção. Às vezes a falta dela.
O tempo vai acontecendo, sem que se consiga parar esse relógio. É esse relógio que um dia pára a gente.
Vai vida, vai indo que eu vou junto, um dia te levo, no outro você me carrega.
Cansaço de existir. Cansaço. Preguiça. Ou até medo. Mas quando é bom, ah, como vale a pena ser gente viva. Ser gente. Ser.
Meu conselho: viva. Não há mesmo outra coisa a se fazer.
E o futuro?
Ah, deixa pra amanhã, que o tempo se encarrega de trazê-lo. Faça seu hoje bem feito. E só; que isso já é coisa demais.



O sorriso dela estava amarelo. Não era um problema estético, talvez ético ou moral… Ela não se entendia com a própria vida. Vivia aos solavancos. Um dia de bom humor, outro de mau humor. Algumas horas de determinação, muitas horas de desânimo. Viver era meio chato mesmo, ela sabia. É desse jeito que as coisas acontecem, com qualquer pessoa, em qualquer lugar. E por que não com ela?
Ela não se sentia mais credora de toda a felicidade do Universo. O tempo ia passando para todo mundo e levava e trazia bons e maus momentos. Só isso.
Nem precisava mais perder tempo pensando em como a vida podia ser sem graça, nem tinha que se lembrar a toda hora que dela fazem parte também os dias bons, as boas recordações que levamos para o futuro.
Tudo caminha em direção ao fim. Fim sem data, sem cara, até sem certeza de não existir um depois. Se tudo impermanece, porque só o fim seria imutável?
Era só o sorriso amarelo de quem sabe que nada sabe e que tudo é do jeito que é, até que mude.


Mais Marita.

Outro dia foi comprar um biquíni e nem se sentiu ridícula. A disciplina de Marita nas máquinas da academia tinha deixado sua marca naquele corpo. Corpo de 32 anos, um filho de 11 e um casamento desfeito depois de 8 anos sendo a metade de um casal.
Marita era livre e feliz. Não precisava de mais nada. E o amor romântico que não era posto em ação se diluía no amor ao filho, a si mesma e à vida, que ela saboreava de boca cheia e coração inflado.
Quase ansiosa.
Quase compulsiva.
Quase normal.
Ela era.
Mas comum, nunca. Comum é chato demais. Monotonia entristece a vida.
E para Marita nada era monotonia. Até ir à padaria lhe reservava surpresas. Nem que fosse pelas pessoas que passavam no trajeto, pelas vozes do caminho, pelos fragmentos de conversas que recolhia. Um dia Marita se pegou compilando trechos de papos furados e inventando uma história. Foi sem querer que casos distintos pareciam se completar em uma conversa de segunda mão. Ela quase foi capaz de interceder e dar seqüência à conversa dos outros.
Mas Marita tinha bom senso, ouvia como se não ouvisse e seguia seu caminho sempre calada.


Falando em amor...

Eu gosto do gosto do amor improvável
Aquele que quase acontece, mas se adia
Aquele que te espreita, mas
não ocupa o posto

Gosto de acreditar que o amor
Impossível pode acontecer
se os dois quiserem.
Por hora, continuo acreditando.


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O amor platônico é o exercício afetivo dos ineptos para as dores e delícias da vida real.
Há que se tomar fôlego e dar o primeiro passo para investigar se o que é platônico pode virar verdade.
Melhor que ser espectador de uma vida de possibilidades que não saem da fantasia.



Continuamos tentando

Schopenhauer já dizia que as pessoas terão uma vida mais tranqüila no dia em que aceitarem a idéia de que não viemos ao mundo para ser feliz. Viver é outra coisa.
São os dias acontecendo, você tentando manter o controle, vivendo seus sofrimentos do jeito mais tranqüilo possível (aceitando-os como parte da vida).
Mas o que me espanta é que outros decidam que devemos sofrer. O dia, a hora, a maneira. A violência urbana desses últimos dias tem me assustado.
Já aceito a dor existencial estoicamente, mas a dor imposta pela covardia da violência de um homem contra o outro me apavora, me deixa paralisada.
Mas a gente segue em frente, sabe-se lá por quê. Ou como sabia Schopenhauer, seguimos movidos pela ânsia de viver, pelo impulso que ele chamou de wille zum leben, que nos faz ir em frente, ir vivendo a vida do jeito que ela se apresenta, tentando ser felizes.
É o céu desabando sobre nossa cabeça, e a gente nessa subversão cotidiana de querer ser feliz e viver correto. Continuamos tentando.


É verdade que eu podia ter nascido antes da descoberta da penicilina e ter morrido aos 12, 13 anos, na primeira gripe mais forte que me trouxesse uma pneumonia. Mas precisava ser contemporânea dos bandidos desta cidade violentada? Violentada, sim, não é só violenta, é vitimada.


E eu que achava que vivia um mero drama existencial. Drama de questionamento de vida, de perguntas em excesso. Quando comecei a entender as respostas que a vida me dava, a realidade me pegou de surpresa.
Que vida é essa que os dias de hoje nos obrigam a viver? A globalização do risco de vida, a violência caçando todo mundo.
E Deus? Dorme? ("Deus está morto!", nos informou Nietzsche).
Já vejo a hora em que os filósofos terão que pegar em armas...


Queria poder olhar o céu de cabeça limpa, sem sentir o vento do medo na cara transtornada pelo ataque que pode acontecer a qualquer momento. Aproveitar uma brisa suave e boa. Queria não ter que checar em volta as ameaças que podem estar me aguardando.



Dor de garganta. Gripe. A minha febre é existencial. Quando tudo vai bem e sobra tempo para pensar na vida parece que é ainda pior.
E amanhã? E depois? E mais tarde? O que vem?
Fora o susto que levo quando me dou conta do hoje de verdades que fui incapaz de prever.
Verdades que construo e que me constroem. Que doem na sua força de acontecer, em sua determinação urgente, sua impiedade, sua realidade avassaladora.
Como o vento que sopra e o tempo que vai. Como a respiração que acabou de acontecer, a que toma o lugar e a que a essa se segue.
Assim.
Sendo e impermanecendo.
Fluxo que só a morte irá parar. Ao que parece, diante do que conseguimos enxergar.
Mas lá, de onde não vêm notícias, que não venham preocupações. Que tudo aguarde, junto com o que ainda não existe (não aconteceu).


Que vida tola. É só isso? Um dia atrás do outro? Às vezes alguma emoção. Às vezes a falta dela.
O tempo vai acontecendo, sem que se consiga parar esse relógio. É esse relógio que um dia pára a gente.
Vai vida, vai indo que eu vou junto, um dia te levo, no outro você me carrega.
Cansaço de existir. Cansaço. Preguiça. Ou até medo. Mas quando é bom, ah, como vale a pena ser gente viva. Ser gente. Ser.
Meu conselho: viva. Não há mesmo outra coisa a se fazer.
E o futuro?
Ah, deixa pra amanhã, que o tempo se encarrega de trazê-lo. Faça seu hoje bem feito. E só; que isso já é coisa demais.


O meu mal foi ler Proust e achar que poderia ser poeta. Ou pelo menos surgir com alguma prosa que trouxesse alegria. Aquele consolo de que você não existe sozinho. E que as palavras são boas amigas. Acreditei nessa minha mentira inventada. E criei uma verdade nova.
Talvez eu não seja uma escritora. Talvez eu seja só uma neurótica que a psicanálise ainda não consertou para a vida. E que quando consertar, talvez acabe até com isso que eu penso ser, com modéstia, quase um talento. Porque é quando eu mais erro na vida que acerto nas frases.


Eu, que mal dou conta de mim, querendo escrever. E nessa insônia que me faz ver o dia clarear, aproveito a lista do supermercado, que já foi texto de trabalho e papel para minha filha desenhar, para fazer literatura.
Quanta bobagem. Será que penso que sou Clarice Lispector? Não. Sou mesmo Renata Xavier. E isso parece ser definitivo. Mergulho na minha pequenez, na minha singularidade, para lá buscar o que pode servir para me distrair da morte, que um dia chega.
E o papel acabou antes das idéias. Continuo escrevendo, como quem pensa ter algo em comum com Proust, Sêneca, Henry Müller, Jean Genet, Fernando Pessoa…
Peguei papel novo. Folha com linhas. Agora ficou mais difícil. Se ligar o computador, aí é que não sai mais nada.
Ia pensando, como se fosse inspiração, mas acho que era só transbordamento. O que é isso tudo?
É, acho que ser irrequieta ajuda nesse processo.
O texto flui mais difícil nesta parte. Ia melhor quando estava só na minha cabeça.
Eu o retomo depois, quando ele me retomar.


Ia pensando. Escrever é conversar sozinha. Não. É achar que tem alguém ouvindo e gostando da conversa. Se essa voz fala em mim, eu te coloco como testemunha desse delírio.
Boa parte do que valia a pena eu perdi. Não tive velocidade para anotar. Outra hora vem mais. Mas o que passou pela minha cabeça foi para o éter mesmo. Será que tenho que ser atleta dos meus pensamentos?
Por que não sou simples? Pra que tanta elucubração? É só a vida. E me lembrei do quadro de Chagall - A vida - , que só vi por acaso na televisão. Simples. Bonito mesmo. A mãe com a criança na rua cercada por pessoas comuns passando, o menino da bicicleta, a loja, a calçada. Ah, a vida é isso mesmo, Chagall. Lindo.
E a simpatia? O nome de um bloco carnavalesco aqui do Rio já explicou: “Simpatia é quase amor”. É o que sentimos num sorriso que se destaca, que revela a alma, que mostra Deus.
Não é só beleza.
Simpatia, gentileza, bondade, amizade. Isso tudo é mais.


Agora era tarde. O livro que um dia queria escrever já começou a ser escrito. Numa observação, num olhar que recebo, numa garrafa de club soda na estante errada do supermercado me lembrando de outra coisa (se não tiver preguiça, explico depois)*.
Já estou anotando a vida há tempos. Observo demais. Mas exercito também. Faz tempo que entendi que não basta estar viva, tenho que participar. Hum… Melhores frases virão, prometo.



Que importa a chuva lá fora, se dentro de mim faz sol? Que me importa o sol, se chove dentro de mim?


Às vezes esqueço que sou menina e olho o mundo com retinas masculinas. Leio pensamentos de quem me olha como se perguntasse quem eu sou. Também não sei. Mas sei que posso ser menino às vezes, nas minhas idéias, pensando sem os limites impostos pelo sexo que já nos enganou que era o mais forte por tempo demais. Forte somos nós, mulheres, que conseguimos chegar até aqui debaixo de tanta repressão.
Seres humanos são almas. E almas não têm sexo. Pelo menos não para justificar o que fazem contra seus iguais e seus desiguais.


Às vezes sou homem
Homem sensível
Inteligente
E inspirado

Homem gentil,
Atento,
Enamorado

Homem que não se percebe um falo
E entende que
Àquelas que faltam pênis pode
Sobrar talento para a vida.

Um homem meio gauche,
Muito amigo,
Um pouco indeciso,
Nada convencido

Um homem que é mulher no coração

Mas meu corpo gosta do meu oposto,
Mesmo que suas idéias tentem piorá-lo.
Acontece de homem ser coisa muito boa.

* Aquela garrafa de club soda na seção errada do supermercado falava comigo. Ela me fez lembrar da primeira vez que experimentei a bebida na casa do homem que costumava amar e não senti prazer muito maior do que beber água extremamente gasosa. Mas me fiz parecer deliciada com a experiência. O sexo era bom, intenso, prolongado, suado, molhado, tenro, quase excessivo, melhor que muitos, o melhor até então, porque quando se trata de sexo, depois de se conhecer a proficiência, não se deve brincar com amadores.
Mas o club soda não tinha nada com isso, afinal. E a vida seguia, como acontece até que a morte a interrompa. E hoje vejo que aquela lembrança que me atropelou no supermercado foi só a vida falando comigo nas suas entrelinhas, um momento instantaneamente mágico que consegui captar.
Às vezes melhor que a experiência em si é a lembrança que fica dela, e é na qualidade dessa lembrança que o que foi vivido parece se justificar.


Às vezes me sinto tão bem que me sinto mal. Ponho a vida tão em dia que fico sem ter o que fazer. Penso e leio tanto que entendo tudo.
E aí vem a pergunta: será que é assim que se prepara para a morte? (E fico com medo de estar pronta).
Sento na sala como se fosse visita, relaxo e olho pela janela as janelas dos prédios ao lado. Algumas luzes acesas, outras apagadas.
O que fazem esses seres? Só sei que eles não são eu. E não sendo eu um deles, posso estar aqui sentada, pensando essa frase absurda.




A vida é uma contagem regressiva inacabada para a morte.


Antes que eu morra, a vida. Melhor: antes que eu morra, à vida!


Chegou na padaria antes das seis da manhã e reparou no casal que terminava àquela hora a noite anterior, comprando cerveja. Os dois de olhos vermelhos e cansados.
Quando Marita foi pegar o pão, a mulher acompanhada disse que tinham mudado de idéia. Parece que iam trocar a cerveja pelo café de toda manhã. Foi nessa hora que o relógio acertou a vida desses dois.


(poesia)

Laboratório da vida
Uma vida que tinha que ser real
Eu a alimentava
com uma espontaneidade
quase suicida

Contagem regressiva inacabada para a morte

Campanha de vida útil
Para uma vida inútil até então

Hoje, de cara para o futuro,
Caminho para o fim, enfim

Sou kamikase da minha própria vida.


Somos aglomerados de células que ocasionalmente se traduzem em pessoas. Células reunidas com maior ou menor sucesso, mas que resultaram na vida humana.
Essas pessoas nas calçadas, nas ruas, em toda parte. Bem que Schopenhauer disse que viemos todos perturbar a paz do nada preexistente a tudo isso aqui.


Declaração de paz aos homens

A mulher estava verborrágica. Hemorrágica também, mas isso é detalhe. Sentou à frente do computador e começou a dedilhar aquelas letras feito louca. As mãos não conseguiam acompanhar a velocidade do seu pensamento. As palavras iriam escapar a qualquer momento. E ela em alta velocidade, indo atrás delas ainda sem saber como a frase terminaria. E se fariam sentido pra alguma coisa.
Às vezes era assim que ela escrevia, possuída por súbita inspiração. O telefone tinha acabado de tocar e era um amigo com o qual ela já estava combinando de fazer uma tatuagem há algum tempo. Os dois já eram maduros, mais de 30, ela; mais de 40, ele. Mas - por que “mas”? - queriam fazer o que bem entendessem. E a maturidade serve pra isso também.
Pode-se fazer o que bem se entender. É só se arrepender depois se alguma coisa sair errado; mas, deixar de fazer? Por quê? Não, vamos ver como é que é. Tudo. Tudo.
Claro que seus princípios faziam dela uma pessoa do bem, o tudo que ela queria conhecer é o tudo do bem. Mas de que bem falamos? Do bem da Igreja? Da religião? Da filosofia? Da psicanálise?
Em algum lugar deve haver como responder a isso da maneira mais breve possível, pra ela continuar sua história. Mas seu bom senso não a levaria à trilha do mal, isso era certo. Sem moralismos. Sem imoralidade. Amoralmente falando.

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A sua observação da vida, em especial da conduta masculina, veio mexendo com a cabeça dela nos últimos tempos. A antipática frase “o mundo é dos homens” começava a fazer sentido. Não que ela concordasse com essa história, mas sim porque se o mundo era mesmo dos homens é porque as mulheres assim permitiam. Sem essa de querer confronto. Mas o mundo poderia ser dos homens e das mulheres, como realmente é. Só que muitas mulheres vivem uma vida pequena, sem participar do mundo. As mulheres são mesmo seres de outra categoria. E quando conseguem ver espaço no mundo em que vivem e quando percebem que não é um espaço a ser conquistado, mas sim utilizado, se surpreendem com o tamanho que a vida pode ter. E, nessa hora, a mulher consegue ver além do universo masculino, com seus próprios olhos, e entende que o jeito masculino de ser é conseqüência de quem está em todos os setores da vida, não só dentro de casa ou dentro de uma relação monogâmica (porque poucas são. Se é que existe uma 100% monogâmica, incluindo presente, passado e futuro).
Os homens circulam pela vida pública e privada com a maior sem-cerimônia. Mas, olhando de perto, a maioria não tem esse jogo de cintura todo, não. Se você se aproxima de um deles com uma conversa assexuada, um tratamento de igual pra igual, como quem apenas se dirige a um companheiro de vida terráquea - sabe como? - , sem intenção nenhuma, sem caras e bocas, o cara fica meio sem jeito. Eles se vêem em um papel de “camarada”, de brother, diante de uma mulher. Mas depois da surpresa, se abrem, conversam. É, eles têm essa virtude. Sabem se adaptar, assumir vários papéis. Ser um amigo deles, é isso o que a mulher precisa aprender. A mulher precisa aprender a ser amigO do homem. E aí vai entender que a vida pode ser fácil, que pornografia não é violência contra nós e pode ser muito divertida quando partilhada, vivenciada ou apenas aceita como “coisa de homem” , como o garotinho que brinca com seu carrinho de lata, sua pipa. A pornografia substitui a intensidade e o carinho que nem sempre existem nas relações. Porque “só sexo” também pode ser bom. Mas a mulher vai sempre buscar mais envolvimento, mais cumplicidade, querer saber se aquele desejo e aquele tesão todo não escondem um amor verdadeiro …
E que ela não se assuste ao descobrir que era só aquilo mesmo. E que aquilo tudo não é pouco. E que há algo de sublime naquela luxúria toda. Os homens é que são meio desajeitados pra enxergar. Só isso. Paciência com eles. Cada um vive seu prazer do jeito que consegue.
A angústia passou, a depressão foi assimilada e devidamente digerida. Vomitada talvez. Mas e agora? Quando nada parece incomodar, quando tudo parece ser como deve ser, ou quando já se aceita que nem tudo é como deveria ser mesmo, fica o que no lugar?
Quando se entende que a vida é isso mesmo, é só o que fazemos dela e o que ela faz da gente, tudo fica fácil; o passo seguinte fica mais leve, e vamos dando um passo após o outro. Só mais essa ação, mais esse acontecimento. Um depois do outro, mas sem que o fim do caminho seja vislumbrado, porque não se sabe aonde vai-se chegar. Vai-se indo. Um dia após o outro. Cada dia vivido do jeito que tem que ser vivido, da melhor maneira possível, sem arrumar problemas para depois resolver - ou adiar, adiar.
Ano Novo, um marco que pode servir de inspiração para que a vida seja acompanhada mais de perto. Que os dias não escorreguem pelas horas, pelos minutos e segundos. E o que já sabemos que nos incomoda seja evitado.
E nesse ano tenho que parar de fazer dívidas, segurar mais o dinheiro para as verdadeiras compras que tenho que fazer: um computador novo, um ar condicionado, cortinas para sala e dois quartos da casa, pintura nova nas paredes, emoldurar a pele de cobra e as três gravuras vermelhas que tenho… Coisas que vão enfeitar meu dia-a-dia. Como hoje me orgulho do sol que brilha na minha parede, do baú de rodinhas, do bem estar que sinto na minha sala. Ah, uma televisão de 29 polegadas e um ar split para sala também estão nessa lista.
No mais, paz, saúde e amor. E muita alegria com meus filhos.
É, começo de ano é assim mesmo, tudo parece possível. Até ser feliz.

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