<$BlogRSDUrl$>

Trechos, textos e trecos

quarta-feira, maio 21, 2003


Coisa mais rami-rami esse backup aqui. É só um alô esquizofrênico pra mim mesma. Que ninguém leia essa miscelânea ...


Revista feminina, esmalte vermelho,vinho ou café - sejam as bebidas ou as cores - e já me sinto pior, que bom. Estava muito inteligente, começou a ficar difícil fazer as tarefas do cotidiano e achar natural, começou a ficar chato falar com desconhecidos e ter que conviver com a falta de modos das pessoas na rua - às vezes penso que só somos educados com os amigos, alguns vizinhos, colegas do trabalho ou quando nos damos conta de que estamos sendo observados ou simplesmente quando estamos mais atentos à necessidade da educação para nos sentirmos melhores; aquele gesto educado, em sua forma espontânea, que não se revela merecedor de um troféu de boas maneiras é cada vez mais remoto. Mas ia falando de outra coisa, e é sempre assim. Não falo de uma coisa de cada vez, não penso uma coisa de cada vez, não me preocupo com um problema de cada vez, estou sempre cometendo associações que me enlouquecem, freqüentemente fico sem saída e vejo que a falta de saída justifica minha inação, mas aí vou entrar em novas considerações que não me interessam agora.
Ia dizendo que a inteligência nem sempre é bem-vinda. Às vezes quando quero sossego rápido ponho meu cérebro em marcha reduzida. É tão bom não ter que pensar, e o salão de beleza e as revistas femininas podem me relaxar tanto quanto uma boa meditação. Claro que nunca fiz uma boa meditação e por isso penso assim, ou brinco que penso, porque já me estressei muito lendo sobre como ser mais bonita, jovem e chique nas revistas e tive arrepios existenciais depois de ler duas revistas dessas que fazem o colunismo social dos atores e famosos... Como me sinto alheia ao que se valoriza nessas publicações, se elas fossem me avaliar me dariam nota vermelha.


É engraçado um cara assim, de blusa preta com a cara do Marilyn Manson estampada, cabelão no ombro, jeito rebelde total, mas que não sabe pensar.
- Você se acha inteligente?
- Inteligente é quem tem as informações de que precisa e sabe o que fazer com elas.
- Você tem?
- Estou tentando saber de que informações eu preciso. Nem sei se as tenho, nem onde consegui-las, que dirá se saberei utilizá-las.


Tem gente que sabe falar de sexo de uma maneira clara e sem ser pornográfica. Nada contra a pornografia, mas percebo essa palavra rodeada de preconceito, como se sexo intenso, bem feito, caprichado fosse só para quem é meio perverso. E perversão pode ser só uma desorientação de quem não sabe que a qualidade do sexo não tem nada ver com o recato ou a falta dele. A depravação é de quem censura o ato, quem o faz com gosto, mesmo sentindo uma energia parecida com a pornográfica, pode saber que está lidando com coisa muito valiosa e espiritual - acessível somente às poucas pessoas que se libertam dos pudores burgueses.


Eu gosto das minhas fragilidades e não me importo se você vai me achar menor porque as conheceu. Eu me conheço mais que você a mim.



Muita coisa ficou provada naquele sábado à noite. Pedro chegou na casa dela quando a chuva começava a melhorar, naquele dia que esteve escuro desde cedo.
Na chegada ele já dissera que não iria ficar para ir ao teatro com Lia, Paula e Flávio, como estava quase combinado. “Quase” porque Paula nunca dava sua resposta final, era sempre “pode ser”, “te ligo pra confirmar”, e por aí vai.
Mas Lia já nem ligava, ou pelo menos não ligou naquela noite.Estava vendo Matrix na TV e, como já era a terceira vez que se deslumbrava com o filme, ficou conversando existencialidades com Pedro.
Naquela sala faziam filosofia, análises e propecções sobre suas vidas. Tinham incertezas, tristezas e questões parecidas. E tinham um ao outro para se ajudarem a enfrentar a vida que avança em direção à morte.
Enfrentar não era o melhor verbo. Eles não enfrentavam a vida, eles se aconchegavam na vida do jeito que dava. E ia dando bem.
Os dois não namoravam, nem um com outro nem com mais ninguém. Havia pretendentes de ambas as parte, mas ele não vinha tendo sucesso na fase da manutenção e ela tinha saído de um namoro de um ano e cinco meses, que tinha dado trabalho e ainda dava saudades (não pelo namoro, que nunca deu certo, mas da fidelidade e da sintonia sexual – era química primitiva, de pele, cheiro e ritmo, coisa que não se acha toda hora e que sustentou a relação cheia de incompatibilidades de outras ordens).
Mas naquela noite a conversa era outra. Era um papo solto, sem direção nem motivo, sem nada a dizer, e assim algumas coisas foram ditas ali.
A noite corria solta, eles já tinham rido de tudo na TV, visto programas de entrevistas, animais correndo, novela das oito, iam zapeando os canais e os assuntos das conversas.
Pedro era bom massagista, sabia shiatsu e já estavam nessa fase do encontro, que sempre acontecia. Lia sabia que depois da massagem ele iria embora, era sempre assim. Eles se viam, se abraçavam, se davam colo, comiam alguma coisa (às vezes na rua, mas naquela noite pediram uma massa verde com recheio de ricota e nozes sensacional), até que ele lhe fazia uma massagem e se despediam.
Umas duas vezes ele ficou para dormir. Usou uma cueca samba-canção que esperava o filho de 11 anos dela crescer, trocou-se na frente dela, deitaram-se na mesma cama, mais massagem, nenhuma atividade sexual (pelo menos nada ortodoxo a esse respeito) e sono.
Dormiram juntos, sem sobressaltos, ela de shortdoll de malha, como gostava de dormir; todos à vontade e sem vontades outras. Coisa que não se explica, só se entende.
Ele não era gay. Mas não vinha sendo muito sexual. Na prática, nada, nada. Sexualidade latente, adiada sabe-se lá por quê.
E ela não tinha nada com isso, nem queria ter. Pouco tempo atrás teve um homem, como já disse, e eram felizes nesse setor. Mesmo recém-separada do melhor sexo que já teve na vida, Lia ia bem. Estava cada dia mais confortável com quem tinha escolhido ser. Feliz no hoje, com a vida pela frente para viver, sem ansiedades e com a sabedoria adquirida em muitos laboratórios, alguns enganos, boas leituras e conversas, curiosidades, sustos, medos e tristezas. Ah, e algumas alegrias – não concordo em quantificá-las em algumas, porque alegria é coisa que nunca é pouca.
Lia via a vida com a poesia que ela queria que a vida tivesse. E ela encontrou a serenidade que tornou possível enxergá-la.
Os amigos próximos também tinham esse dom. Poesia e preocupações existenciais em graus variados possuíam todos eles. O grupo mais seleto era formado por Lia, Paula, Pedro e João (outro amigão). Lia e João tinham dois filhos cada; ela, um casal; ele, dois meninos. Paula tinha um filho. Pedro não era pai. Flávio (outro sem filhos) não era tão próximo, mas estava querendo sair com Lia para tornarem mais visuais as longas conversas sobre filosofia e a vida (se é que não cometi aqui uma redundância) que vinham tendo em telefonemas quase diários nas últimas semanas. Ele fazia doutorado (tese sobre Nietzsche – não era “pouca merda”, não).
Pedro não dormiu naquela noite na casa de Lia porque tinha que dar aula de ioga às nove e meia de domingo (hoje em dia há quem malhe nos fins-de-semana...) e com ela era ainda pior, teria que acordar às cinco da manhã para entrar no ar às seis – Lia é locutora de rádio FM e televisão.
O que ficou provado afinal de contas? Que a amizade de Pedro e Lia é mesmo sólida. Não que houvesse dúvidas, mas ficou certificado.
Depois da aula dele e da locução dela foram tomar café da manhã no Bistrô do Livro, um café-livraria em Ipanema, bairro em que os dois viveram a maior parte de suas vidas. Saíram de lá para bairros próximos, Gávea, ela; Copacabana, ele. E seus pais continuam em Ipanema até hoje. (Pedro tinha perdido o pai no início da vida adulta, lá pelos 20 e poucos, época em que não era ainda o amigo íntimo de Lia que é hoje, e que viva em a tia gente boa da Paula. Ele era bem mais novo do que ela, ela é muito jovial até hoje, de tia não tem nada – é uma amigona da sobrinha e se dá muito bem com Lia).


- Que forma de inteligência é essa que torna viver tão difícil? Isso é excesso de cérebro ou burrice grossa.


**************************************************************


(...) Gosto mais que as coisas aconteçam, sem muita luta
nem revolta (...)




**************************************************************

This page is powered by Blogger. Isn't yours?